domingo, 16 de novembro de 2008

Ao VIP a guilhotina

Enquanto esperava na fila de uma boate uma promoter se aproxima e me oferece um cartão de acesso VIP. O cartão permitia pegar a fila VIP (que demorava o mesmo que a outra), ter acesso ao cercadinho VIP (que atende pelo "requentado" nome de "área VIP") e outras quinquilharias fosforecentes que não lembro mais.
Tudo bem, a quem estou querendo enganar? A verdade é que eu nem ouvi o que ela disse. O meu desinteresse era tão claro que ela desistiu da venda, e "deu linha".
Com todo aquele charme e vantagens tão exclusivas, ao alcance de qualquer reles mortal, por que ela perderia tempo comigo? Talvez, pra maior parte das pessoas, o tratamento não seja o mais importante. O simples fato de serem consideradas importantes já satisfaz seus egos.
Na idade média os VIPs atendiam pelo nome de nobres. Naquela época, os títulos nobiliárquicos eram concedidos à pessoas que realizavam algum tipo de préstimo à Coroa. Lutar bravamente ao lado do rei em uma guerra, caçar dragões cuspidores de fogo e até mesmo aceitar uma de suas filhas em casamento podia ser considerado um desses feitos. Os títulos eram hereditários. Nem todo mundo que tinha grana podia entrar pra seleta "panelinha do rei" mas pra quem já estava nela, era deitar e rolar.
No século XIX, no entanto, nobres arruinados acabaram vendendo seus títulos a burgueses endinheirados. Para quem já tinha a grana era possível comprar também o glamour
e ai a coisa começou a descambar.
Iniciou-se a era onde tudo podia ter um preço. De fato, a grande contribuição do capitalismo foi a visão de que se poderia produzir qualquer coisa em uma escala que permitesse oferecê-la a qualquer um. Era o início do processo de democratização dos privilégios. E tudo teve início nas execuções penais.
Naquela época, os bruxos e hereges morriam torrados em fogueiras e a maior parte da gentalha era punida com a forca. A decapitação pelo machado era um previlégio da nobreza. Era preciso um carrasco experiente e o executado deveria permanecer imóvel, ou seja, era inviável aplicar uma pena dessas em larga escala.
Os ideais da Revolução Francesa foram decisivos neste momento. Já que o estado deveria tratar a todos da mesma forma, alguém propôs a unificação das execuções penais. Uma vez que a decapitação era um privilégio, este foi o modo escolhido.
A guilhotina foi a primeira iniciativa concreta de popularizar o tratamento VIP. Tudo bem que naquela época ele não era vendido por promoters gostosas, o custo era um pouco salgado (a vida do infeliz), não dava pra postar fotos do evento no Orkut, mas, quem liga pro tratamento? O importante é ser VIP. Se você pensar bem tem até um certo charme, é o preço do pioneirismo. Existe algo mais VIP do que isto? Dava até pra tirar onda na escola:
- Aê mané, meu pai foi condenado a morte, diz um garoto de forma vibrante.
- Sério?!?! O meu também... Como ele será executado? diz o outro um pouco triste.
- Guilhotinado!!! responde o primeiro cheio de orgulho.
- Maneiro!!! O meu vai ser enforcado mesmo.... diz o segundo, cabisbaixo.
Os dois se despedem e cada um segue o seu caminho. Um deles pensa: "enforcado, é pobre mesmo". Enquanto o outro está revoltado: "g
uilhotinado, que moleque esnobe!!!".
Pra você que sempre pensou na guilhotina como um símbolo da brutalidade do poder de império do estado, saiba que ela foi uma espécie de nivelador social. Para muitos, o único momento de dignidade de uma vida inteira. Talvez até arrancasse suspiros: "Vou morrer como um nobre". Sei lá, não estava lá pra ver. Pra tanta gente que daria o próprio pescoço por um momento VIP eu deixo o recado: Por que não tenta a guilhotina?





2 comentários:

Anônimo disse...

Vc é demais, viaja muito, adoro isso!
Grande abraço....
Gisele Isaquiel

Anônimo disse...

Ainda bem que o que vc pensa vc escreve e não fala, pois se falasse todos iam deixar vc falando sozinho, kkk