domingo, 23 de novembro de 2008

A incrível arte de falar demais

A casa do Guilherme é um lugar movimentado. Mulher e três filhos seria impossível não ser. Mas neste dia em particular, a casa estava o maior silêncio. Eu estranhei a calmaria e perguntei:
- Ué, cadê todo mundo?
Pra que eu perguntei? Lá vem a explicação:
- O guilherminho saiu com o primo dele. Lembra do Wagner? Pois é filho do Wagner. Eles moram em São Paulo. Eu fui lá agora esses dias e o menino está de férias. Ai eu levei os dois no shopping e vou lá buscar mais tarde. A Morgana...
- Bicho, se você disser "saiu todo mundo" já responde a minha pergunta.

Existem 3 tipos de pergunta: a aberta, a meio-aberta e a fechada. A pergunta aberta não há uma resposta esperada por quem pergunta. Na fechada você tem as respostas possíveis já imaginada com antecedência. A meio-aberta é um pouco das duas: existe uma resposta esperada mas ela pode ser justificada.
Para algumas pessoas não há esse tipo de distinção. O prolixo sempre vai tratar todas as sentenças como abertas, ou seja, vai falar demais. O Lacônico sempre vai tratá-las como fechadas, e, vai falar o mínimo possível. Tanto a falta quanto o excesso são prejudiciais à comunicação. O ideal é perceber no seu interlocutor o tipo de resposta que ele espera e responder de acordo. Pode dar um pouco mais de trabalho no começo, mas depois que você acostuma, se torna intuitivo e a coisa passa a fluir naturalmente.
Saber dosar o tamanho da sua "falação" pode evitar cenas inusitadas como a que eu vivi uma vez. Parei em um posto de gasolina e fui ao caixa eletrônico sacar dinheiro. Enquanto aguardava a minha vez, cai na bobagem de cumprimentar um senhor que estava a minha frente:
- Bom dia, tudo bem com o senhor?
- Rapaz, estou bem como você nem imagina. Mas se você tivesse feito esta pergunta há uns dois anos atrás, eu não poderia dizer isso...
Sem que eu ao menos mudasse a expressão, ele continuou.
- Eu tive cancer de próstata. Demorei pra descobrir, tive que operar as pressas, resultado: fiquei brocha!
Eu tentava nem, ao menos, respirar pra ver se ele desistia, mas o cara foi em frente...
- Passei mais de ano fazendo quimioterapia e outros tratamentos. Agora há uns 6 meses atrás, eu fiz o implante de uma prótese. Estou me sentindo um adolescente de novo. Arrumei uma mulher 30 anos mais nova do que eu. Tão nova que alguns amigos meus vieram me alertar que ela só estava comigo por interesse.
Eu engolia a seco, me esforçava pra não transparecer o meu constrangimento e o cara seguia em sua história....
- Mas é claro que eu dou dinheiro pra ela! Você acha que baixinho, careca, barrigudo e velho eu ia arrumar uma mulher daquela como? Inclusive...
Neste momento em que a coisa mais sórdida da história ainda estava por vir a máquina (ou Deus, ou sei lá quem) ouviu as minhas preces e concluiu a operação. Ele sacou o dinheiro, colocou na carteira e saiu:
- Bom dia pra você! tudo de bom!
Esperei ele sair e respirei aliviado. Se ele tivesse dito apenas "estou muito bem" teria respondido à minha pergunta.

3 comentários:

Anônimo disse...
Este comentário foi removido por um administrador do blog.
Anônimo disse...

nooooossa,brocha??? essa foi de doer!

Dani

Anônimo disse...

nossa que sorte a sua
encontrar um homem brocha, rs

Bj
Kelly